Afinal, tê-la ou não a ter na escola, e por quê?
A inserção do ensino da capoeira na escola, sobretudo, no ensino público é um dos grandes desafios e questionamentos que capoeiristas e defensores da sua implementação possuem na atualidade. Em todo o território nacional existem iniciativas de leis para obrigar o seu ensino, principalmente após a aprovação da lei 10.639/03 que obrigou o ensino da cultura africana nas escolas do ensino público e privado no Brasil. No entanto, o que se vê é, nem a cultura afro, muito menos a capoeira obtiveram acesso aos espaços determinados por lei. As razões para que isso não tenha ocorrido ainda, são muitas.
A dificuldade de implementar a capoeira como disciplina curricular encontra barreiras das mais distintas e conhecidas, e que não são tão fáceis de superar. Vai desde a burocracia jurídica que envolve a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional, a LDB, passando por um processo de qualificação educacional e pedagógica do conjunto de professores, culminando no combate ao racismo religioso, epistêmico e estrutural. A tarefa é complexa.
A capoeira é uma prática cultural multidisciplinar, razão pela qual ainda falta compreensão e clareza do que de fato representa a capoeira, ao contrário do que comumente se pensa que é, uma mera expressão folclórica. Essa concepção ainda está enraizada em muitas das concepções pedagógicas em curso na gestão escolar no Brasil.
Para se ter uma idéia da trajetória da capoeira enquanto proposta de ensino nas instituições públicas do país, entre as primeiras décadas do século XX, após a capoeira passar por um período de recuperação social como recorda Neto (1928) em sua crônica “O Nosso Jogo, em que ela é reconhecida como ginástica brasileira, o seu ensino passa a ser defendido nas escolas, quartéis, e em qualquer outro espaço público onde o seu ensino fosse importante. Carlos Eugênio Libano (2008) lembra que:
Coelho Neto apresentara junto a Luiz Murat um projeto instituindo a obrigatoriedade do ensino da capoeira nas escolas e quartéis. Tal intenção acompanha a visão nacionalista que se construiu a partir daquela época, investindo na capoeira como representação autentica da brasilidade. (Dossiê, 2008)
Ainda,
(…) nesse trecho da crônica intitulada, sugestivamente como, “O nosso jogo”: Em 1910, Germano Harlocher, Luiz Murat e quem escreve estas linhas pensavam em mandar um projeto à Câmara dos Deputados tornando obrigatório o ensino da capoeiragem nos institutos oficiais e nos quartéis. Desistiram, porém, da idéia, porque houve quem a achasse ridícula, simplesmente porque tal jogo era…brasileiro. (Dossiê, 2008)
Essa discussão está descrita no Dossiê da capoeira, um dos documentos mais importantes sobre a prática que foi produzido nos últimos anos, e que serviu como base para o registro da capoeira como patrimônio cultural imaterial pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artísitico Nacional. Essa descrição revela o quão o preconceito e o racismo já operavam desde aquela época, uma evidência e fruto do colonialismo.
Em 1990 Hélio Campos, o Mestre Xaréu escreveu o livro Capoeira na Escola cujo objetivo foi contribuir para a institucionalização da capoeira junto a disciplina de educação física nas escolas. Se tratou de uma proposta de implementação da capoeira na dimensão esportiva e educacional. Esse trabalho certamente deve servir de apoio as discussões futuras.
É sabido e conhecido por todos os capoeiras que as escolas da rede privada já promovem o ensino da capoeira a despeito da lei 10639/03 e do próprio estatuto da igualdade racial. A capoeira é oferecida como uma disciplina extracurricular e tem gerado oferta de trabalho para muitos capoeiristas qualificados. A capoeira é um bem cultural e educacional que permeia nosso cotidiano. Estar ou não estar na base curricular do ensino público é uma demanda da sociedade e precisa ser debatida. Diante da realidade como essa, a questão central a ser respondida pelos defensores da bandeira é, por quê capoeira na escola?