A conversa com Mestre Cobra Mansa foi realizada no ano de 2013 no evento Abril pra Angola organizado pelo Mestre Meinha do Grupo Cruzeiro do Sul na cidade de São Paulo.  Uma pauta com o Mestre Cobra Mansa jamais se esgota. E não é por ser um exímio jogador e capoeirista dentro da roda. Fora da roda, o jogo também é abrangente e se corresponde com a sabedoria expressa na vadiação da Angola. O cidadão Sinésio também exerce a tarefa que ele mesmo define ser a sua vida; a de educar cultural, político e socialmente as pessoas através da capoeira.

Qual seu nome, e é formado por quem? Meu nome é Sinésio Feliciano Peçanha, sou natural do Rio de Janeiro formado e aluno de mestre Moraes. Fui um dos responsáveis pela revitalização da capoeira angola, dessa volta da angola na década de 80. Fiz parte desse processo junto com o mestre Moraes, João Grande e João Pequeno. Eu era o mais novo.

Porque Cobra Mansa? Sempre fui muito quieto, sempre na minha e na roda tinha uma agilidade muito grande aí colocaram. “Pô! você parece uma cobra mansa”. Para as pessoas que não sabem o apelido do mestre João Pequeno no meio da capoeira era Cobra Mansa e mestre João Grande era Gavião. Quando eu cheguei na Bahia o mestre João Pequeno falou, “Como é? Não pode ter dois Cobra Mansa, você é Cobrinha Mansa e durante muito tempo ficou como Cobrinha Mansa ou só Cobrinha. Mais tarde voltou a ser Cobra Mansa.

O senhor tem acompanhado a movimentação do Programa de Salvaguarda da Capoeira? Estou super envolvido em outro projeto que é um documentário sobre as raízes da capoeira na África, eu tenho dedicado todo o tempo para isso.

O que acha da iniciativa do governo? Olha só, sou uma pessoa que sempre fui contra essas iniciativas governamentais, quando elas tentam influenciar diretamente na capoeira, principalmente quando as coisas vêm de cima para baixo. Eu tenho uma preocupação muito grande. Se a gente olhar a história da capoeira com o governo desde o início, sempre foi uma história de conflito. Embora a gente vê que é no sentido de ajudar a capoeira.

E o processo de organização dos capoeiras? Nós capoeiristas, é uma palavra que eu não gosto de usar, temos que nos organizar mais. Na verdade, já estamos organizados, somos uma comunidade organizada. Ah! A capoeira não está organizada, está organizada sim. Não está organizada dentro dos moldes institucionais. Porque os mestres de capoeira com grupos fora do Brasil conseguem sozinho coordenar isso tudo. Ele tem que estar bem organizado se não ele se perde. Eu acho o seguinte, ainda não temos consciência para lidar com o sistema. Não estamos preparados. Estamos no prejuízo porque o sistema usa o nome da capoeira de uma certa forma. O sistema que apoia a capoeira se beneficia mais do que a própria capoeira.

As empresas de turismo por exemplo usam a capoeira para atrair mais turistas. A capoeira é maior difusora da língua portuguesa no mundo. São milhares de capoeiristas que vem do mundo para Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro. Isso são recursos que entram para o país e o que estamos ganhando com isso, nada. O programa Viva Meu Mestre dá 10 mil para o mestre e a gente fica contente com isso achando que estamos ganhando muito. Isso tudo tem que ser repensado.

Descobri que 60 % do recurso que chega para a capoeira vai para a burocracia e o capoeirista vê menos de 40%. Então os 60% desse recurso se perde no caminho. Como é que ele se perde no caminho? Os técnicos que são pagos para fazer projetos de capoeira ganham uma grana absurda. Os recursos com divulgação também são alto. Daí chamam um mestre de capoeira para ir à Brasília e eles querem que o mestre vá de graça.

Os capoeiras precisam tomar consciência de que o recurso que está vindo é uma pequena porcentagem, é pouco. Cadê o dinheiro do projeto Capoeira Viva? Até hoje não recebi a segunda parte. Outra coisa, o governo te dá 10 mil, mas você fica só com 6 mil. Ele bota lá bonito, estamos dando 300 milhões para a capoeira, mas o próprio governo toma a parte dele através dos impostos.

Mestre Cobra Mansa no comando da Roda. Foto Luciano Medina

O que pensa a respeito da regulamentação da atividade de capoeira? Isso é polêmico. A partir do momento que tivermos uma regulamentação da atividade da capoeira, teremos as entidades de representação. Aí a questão. Estamos preparados para ter uma entidade de classe. Seremos enquadrados como um segmento da classe trabalhadora e deixaremos de ser capoeiristas. É outro nível, é outra discussão. A gente tem que repensar, as vezes fico preocupado com essa euforia, e por não estarmos preparados para lidar com tudo isso. A gente cria expectativas e não presta atenção nos detalhes. Temos que refletir.

Existe racismo na Capoeira? Não existe racismo na capoeira, existe dentro da sociedade brasileira. Apesar de aceita, vemos diferença no orçamento destinado a capoeira em relação as outras artes. O tratamento dado a capoeira dentro da arte é desigual. Por que isso? Porque é de descendência africana? No encerramento das Olímpiadas em Londres por exemplo, colocaram um bocado de estereótipos de capoeira e capoeiristas. Eu exigi tratamento igual aos outros. Fui convidado para participar de uma conferência e me disseram que eu estava parecendo um artista. Eu disse a eles. Eu sou, sou capoeirista, e quero o mesmo tratamento que os outros artistas, porque o tratamento diferente?

Por que o artista de balé vai ficar no camarim e eu não. Eu sou mestre de capoeira e quero um camarim também. Se nós capoeiristas não nos impormos continuaremos a ser tratados dessa forma. Veja o racismo, é por conta da descendência que nós temos. Tem muita gente que olha a capoeira com outros olhos ainda. A sociedade brasileira ainda não está preparada para aceitar a capoeira, apesar de muito trabalho.

Veja! você dá aula de capoeira em uma escola e não tem lugar para ensinar. Ah! ensina na quadra ali mesmo. Espera aí. A gente enquanto mestre de capoeira tem que começar a se impor. Tudo bem dar aula na quadra por isso ou por aquilo, mas o meu lugar também é na sala de aula. Eu quero ensinar na sala de aula. A capoeira tem que estar junto aqui também, afinal sou educador ou não?

Não faço parte da educação das crianças na escola? sim! Então quero estar na sala de aula e discutir o currículo escolar junto com os outros professores. Agora para exigir isso, é preciso cobrar dos capoeiristas. Temos que nos capacitar. Se eu tiver que dar outro recado é esse, o capoeirista tem que se capacitar e estudar. Tem que estar preparado para encarar essas necessidades da capoeira de hoje e não é só pular e ir na academia treinar. A luta é outra. Temos que lutar com o sistema de outra maneira.

E o recado para essa rapaziada que está começando na capoeira? Treinar, treinar e treinar. Se envolver com a capoeira, mas com alma e espírito. Entrar dentro da capoeira mesmo. A gente está com muito jogador de capoeira e poucos capoeiristas.

O que é a capoeira para o Mestre Cobra Mansa? É a minha vida

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