Festa Junina, maculelê com faíscas de facão e muitas pernadas. Esse foi o primeiro contato direto com a capoeira. Depois disso, na companhia de meu finado tio valentão Augusto Jorge, o bate papo com os capoeiras no refeitório da escola regado a suco de laranja e cachorro quente eram provocações e ironias que só percebi anos depois, quando entendi o convite da cozinheira Maria Helena para irmos embora, segundo ela em razão do horário já avançado para uma escola modelo militar.

Isso foi em junho de 1980 na Escola Municipal João Alves do Santos, classificada como modelo e inaugurada em 1969 sob os auspícios anos de chumbo. Um tempo antes desse episódio, porém, uma narração sociológica é capital.

Geralmente na periferia, a primeira opção estimulada na infância dos meninos são as pernadas em qualquer tipo de bola. Ensaiar alguns chutes e o grito de gol surge como um ensaio para o futuro.

Observa-se aí um pretenso futuro do pequeno, jogador de futebol. Ninguém imagina outra coisa, sobretudo quando o cenário rememorado é o início da década de 80 em que a febre da seleção canarinho e a disciplina antidemocrática caracterizavam o contexto social e cultural daquele pequeno de 5 anos de idade.

A capoeira na Escola. Contradições à parte, o meu primeiro contato com a capoeira se deu em uma escola, diferente de muitos outros capoeiras Brasil afora que aprenderam em diversos outros espaços como a rua, o terreiro, a roda de samba, etc.

Nada na vida de ninguém é por acaso. Nada acontece sem que se aprenda e que se possa se instruir, mesmo para uma criança de 5 anos de idade. Os especialistas podem dissertar sobre essa condição.

O fato é que diante de um evento concreto e marcante, é possível que se desencadeie uma série de eventos subsequentes que pode responder certamente sobre o presente de uma criança. Para cada pessoa sempre existe um fio condutor que a norteará vida afora, quer de forma direta ou indireta.

Pois bem, na altura mediana de meus 46 anos posso descrever o momento exato em que os campos energéticos dispostos naquela tarde de inverno na Escola Municipal Doutor João Alves do Santos exerceram sobre meus caminhos até a presente data.

Vários outros eventos memoráveis vividos naquela escola poderiam ser destacados tanto do ponto de vista positivo quanto negativo, e que exerceram influência na minha formação. Antes de se tornar aluno e usufruir da pedagogia oriunda do ensino formal, o saber de alguma forma já fizera presente na minha pequena jornada. E esse saber chega até mim através de uma roda, de capoeira e em uma escola modelo do regime militar.


Luciano Medina é Capoeira e Jornalista

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