Suficientemente elevado por Deus, esse é o significado de To olo ji, e que lemos e escrevemos Toloji. Luis Antônio Castro de Jesus é seu nome de batismo na Igreja católica, mas é como Baba Toloji que sua identidade e sua vida ganham dimensão, primeiro por ser a liderança religiosa no culto do candomblé de Ketu, e segundo, por ter se tornado um dos guardiões da arte da África Negra na América Latina com um acervo de 12 mil peças muito bem alocadas no Instituto Baba Toloji no Jardim São Vicente na cidade de Campinas.

De família católica, filho de um dentista, o baiano chegou a Campinas nos idos da década de 70 para trabalhar na indústria.  De acordo com Toloji, não havia candomblé na cidade, “existia era muita Umbanda por aqui” e foi onde ele estabeleceu os primeiros contatos. Ali desenvolveu a sua afetividade com a prática dos tambores durante um certo período. Na medida em que se aprofundava nos estudos e nos ritos, percebeu que seria no candomblé que sua espiritualidade teria continuidade. Baiano que era regressou ao seu Estado para o processo de iniciação e feitura do santo. Após cumprir todos os procedimentos e preceitos exigidos através das idas frequentes ao seu estado natal conquistou a fundamentação para a abertura da seu Ilê no Jardim São Pedro em 1976, o primeiro terreiro de Candomblé da cidade de Campinas. Toloji é neto da Casa Branca do Engenho em Salvador.

Desde a abertura da sua casa para atendimento até os dias de hoje Toloji iniciou muita gente no candomblé, conquistou o respeito e obteve da cidade o seu reconhecimento. Ao se falar ou se pensar em candomblé de Campinas, o nome de Baba Toloji imerge automaticamente.

Acervo Instituto Baba Toloji. Foto Luciano Medina

Para se ter uma ideia do que representa o Baba Toloji, seu propósito e o Instituto que dirige é necessária uma imersão, ainda que por uma hora ou alguns minutos em sua companhia dentro do seu Ilê onde se observa a representatividade desse líder no culto das expressões de matrizes africanas no Brasil, e na América Latina. Uma visita ao instituto já se configura como um processo de aprendizagem. A grandiosidade do verde com inúmeras espécies de plantas e árvores simbólicas para a ritualidade afro-brasileira somada a arquitetura do ambiente já lhe impõe uma tranquilidade e paz, importantes para saborear um pouco dos saberes assentados naquele território. Aliás tranquilidade e paz características do Babalorixá, e absorvidas previamente num contato rápido por telefone.

Perguntado sobre a capoeira e sua relação com as práticas culturais tradicionais, Toloji foi econômico e prático, disse que a capoeira foi e é uma brincadeira, uma luta cuja origem tem suas raízes fincadas no candomblé. Uma dança perigosa

Cafezinho e o Acervo

Pouco antes de iniciarmos o tour pelo terreiro do candomblé onde estão expostos parte significativa do acervo, Baba Toloji prepara um cafezinho com creme. Estamos em uma das salas do Instituto, e nessa particularmente dois quadros chamam a atenção, duas pinturas antigas do Barão Geraldo de Rezende e a Baronesa. A telas também compõem o cenário da diversidade de peças nas salas e no salão principal.

Ao todo são impressionantes 12 mil peças que integram o acervo do Instituto. De acordo com Baba é um o maior acervo em quantidade da América Latina sobre a África Negra. Sua coleção tem início no final da década de 70 quando começa a adquirir as artes diretamente com africanos vindos da Nigéria para o Brasil, na ocasião em que uma espécie de intercâmbio se intensifica entre os dois países. As vezes as peças chegavam até ele em razão das suas atenções e particularidade em lhe dar com elas. Ultimamente não tem comprado mais. Um dado curioso ao longo desse processo de aquisição, é que ele nunca comprou ou chegou até ele peças repetidas ou iguais, a singularidade física e simbólica de cada chama atenção. Além disso, igualmente impressionante, Baba Toloji identifica cada uma e se recorda de como cada peça chegou até ele. Baba possui sua própria catalogação mental. Um esforço de registrar esses itens já foram realizados, segundo ele não existem pessoas qualificadas para esse trabalho analisa. Não temos um espaço próprio destinado para o museu.

Acervo Instituto Baba Toloji Campinas-SP. Foto Luciano Medina

Por conta dessa notoriedade já fez algumas exposições, sempre com muito zelo, ele próprio foi o responsável. Por uma única vez cedeu por empréstimo alguns itens para exposição para nunca mais emprestar, segundo o Babalorixá. Não cogita em hipótese nenhuma ceder ou emprestar as peças para exposições novamente. Repete ao dizer que não existem pessoas qualificadas para manusear essas obras de artes. Trabalhar com arte é difícil. Baba Toloji desenvolveu sua própria técnica de restauro para lhe dar com a multiplicidade das obras que possui. Ele adquiriu muitas peças danificadas, por isso criou sua técnica e uma oficina para essa tarefa. Técnica que lhe permitiu também criar suas próprias artes em madeira.

Cada peça tem sua singularidade, todas com simbolismos, algumas que remetem a fertilidade, à prosperidade e a felicidade. Destaques para o tambor da Nigéria; as máscaras de madeira muito utilizadas em festas para celebrar ritos de passagens de meninos e meninas; colheitas e a cosmologia africana em sua multiplicidade de significações dependendo muito de uma país e de uma tribo para a outra. Toloji destaca esse aspecto marcante da África Negra. Não se trata de um continente único, o pluriculturalismo é uma característica desse continente.

Chama atenção dentre as inúmeras peças como a cadeira de circuncisão feminina que adquiriu dos camaroneses. Uma prática cultural secular e que atualmente tem encontrado resistência das mulheres africanas. A representação da comitiva do Rei e da Rainha de Benin, o assentamento do terreiro na companhia de peças que simbolizam o dono da casa, Ogun. São muitas peças e suas descrições guardam uma certa reserva, muito comum principalmente para quem pela primeira se adianta no universo da ritualidade, sem a fundamentação correta para a compreensão dessa cosmologia em obra de artes.

Em 2014 Sua Majestade Oba Al-Maroof Adekunle Magbagbeola, Olumoyero II, o Rei de Efon no estado de Osun na Nigéria considerado Oxalá na Terra esteve em visita ao Instituto Baba Toloji para conhecer e trocar as bênçãos com o Babalorixá da Comunidade da Tradição do Culto Afro Ilesin Ogun LaKayie Osinmole Baba Toloji. Foi um dos momentos históricos para a comunidade e para a cidade.

São muitas peças organizadas por todo o espaço do terreiro onde ocorrem os toques de candomblé. Por força do recesso a que estão submetidas as celebrações tem dado espaço para parte das peças que segundo Baba Toloji não representa sequer sua totalidade. As peças muito bem localizadas facilitam a identificação e as narrações de Toloji sobre como adquiriu cada uma delas.

Voce pode localizar uma peça dialogando com cada espaço por todo o terreiro, quer no escritório, na sala de jogo e nos espaços externos onde se realizam o candomblé de caboclo, o samba de roda e a brincadeira de capoeira. Em todo lugar existe uma obra de arte para ilustrar e florear o ambiente.

O bate papo com Toloji termina com um tour nos mais 2200 metros² de propriedade. A visita ao Instituto, ao terreiro é um exercício fascinante, se aprende quase tudo que se precisa para viver. O contato com as folhas dos ritos, as arvores etc. Cada uma dessas plantas tem correspondência com as práticas culturais e dialogam com a existência de cada obra de arte vindo da África

O mariuô (fios de palhas fixadas nas portas) que nos limpou na entrada e não permitiu que nos levasse qualquer mal para dentro no terreiro, nos permitiu a saída. A gratidão pelo conhecimento e a paz obtido junto a companhia de Baba Toloji, sua espiritualidade e seu acervo sobre a África negra na cidade de Campinas constitui uma pequena parcela do saber, universo do Babalorixá.

 

 

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