Distante 76 km de São Paulo, 34 km de Campinas e assentado em uma área de 120 mil metros quadrados, localizado no primeiro município do Brasil a abolir a escravidão fica o Quilombo de Brotas, um patrimônio que resiste há mais de 120 anos na cidade de Itatiba.
Para quem adentra pela primeira vez, a sensação é de quem entra em um sítio onde as ruas úmidas banhadas pela garoa exala um forte cheiro de terra. O desejo de desvendar as ruas cobertas por arvores frutíferas são motivados pela curiosidade em ouvir as memórias e histórias dos quilombolas remanescentes do território.
Uma jaqueira dá as boas-vindas para quem segue na direção da sede comunitária. Pés de manga, casebres floridos e um campo de grama rala e terra batida compõe parte do cenário do transeunte de primeira viagem.
Em uma das atividades que a comunidade costuma recepcionar, o estudante de história e descendente direto dos fundadores do Quilombo, José Roberto Barbosa cumpre, mais uma vez, a tarefa de relatar a história de um dos principais quilombos urbanos existente no Estado de São Paulo.
Debaixo da sombra e sob as raízes do pé de jaca; em meio ao mormaço proveniente de uma chuva de verão, o jovem negro de traços fortes como a de seus ancestrais; a disposição militante de quem acumulou ao longo dos anos de vivência, conhecimento e sabedoria, narra, enquanto morador, a trajetória do Quilombo.
O quilombo surge no período da escravidão no século XIX como uma espécie de entreposto para recepcionar escravos em fuga de Campinas, Jundiaí e Atibaia. Como se tratava de um ponto de apoio para descanso, alguns ficavam, outros partiam para outras regiões. Nesse contexto, três personagens se destacaram, o comerciante português José Francisco Rodrigues, a sua esposa, a índia Rita Rodrigues e o terceiro, que o chamavam de “Negro Brotas”. O Estado na época, empreendeu duas incursões na tentativa de derrubar a comunidade, uma em 1882 e a outra possivelmente em 1886, ambas frustradas, relata Barbosa. Por conta disso, a comunidade se caracterizou pela luta contra o sistema escravocrata que persistia no Brasil.
Com o fim da escravidão, muitos quilombolas foram embora, o que motivou o então proprietário Juvenal Passos Rodrigues, dividir o terreno e vendê-los. O casal que já pertenciam ao lugar e à rede de auxílio aos negros em fuga, Isaac Modesto de Lima e Emilia Gomes de Lima, tetravós de Barbosa, libertos antes da Lei Aurea compraram parte do terreno, levaram sete anos para a quitação daquelas terras. Tiveram vários filhos, um deles Amélia Gomes de Lima, que hoje é representado por 150 descendentes no quilombo.
Atividades culturais como a capoeira, o jongo e outras iniciativas já foram oferecidas com mais intensidade, Barbosa não soube informar se ainda são realizadas alguma dessas ações porque atualmente reside em São Paulo, onde estuda História.
Para além da necessidade e relevância de se desenvolver ações no território, o fato é que o Quilombo Urbano de Brotas é um patrimônio cultura e ambiental não só da cidade de Itatiba, mas do País. Todos os serviços básicos como saúde e educação são oferecidos fora do Quilombo.
Reconhecido como território quilombola pelo Itesp, Instituto da Terra do Estado de São Paulo, a comunidade teve que formalizar a Associação Cultural Quilombo de Brotas para que pudessem ter seus direitos reconhecidos e respeitados, além de gozar dos benefícios oriundos da lei, o que na atualmente não é observado.
A mesma história de luta que no passado reunia e mobilizava negros em fuga e libertos, atualmente mobiliza além da comunidade, militantes e simpatizantes de vários segmentos, cujo objetivo principal é preservar a história, a memória e o território do Quilombo de Brotas, que a exemplo de tantos outras comunidades tradicionais carece da execução de uma política pública consequente e sustentável. A comunidade mobilizada aguarda a iniciativa do poder público.