O Capoeirista paga contas como qualquer outro profissional. Ele investe em conhecimento, pesquisa, estuda e viaja. Muitas vezes abdica da companhia da família . Por isso, não é mais razoável pedir favores ou consultas gratuitas. Valorizar o patrimônio é valorizar o seu profissional, é valorizar o Mestre de capoeira.
Muitas pessoas ainda trazem a compreensão e um entendimento equivocado sobre a prática, o ensino e a preservação da capoeira. Muita gente acredita ou “acha” que a capoeira veio da África no processo diaspórico da escravização do povo negro. Muita gente acredita ou “acha” que a capoeira é só uma dança. Muita gente ainda associa a prática, o ensino e a valorização da capoeiragem como um exercício folclorizante cujo objetivo final em última análise é exibir-se em ocasiões de datas comemorativas como o dia do Folclore.
Para que a cidade e a população usufruam do Patrimônio Cultural Imaterial que é a capoeira, ou de qualquer outro bem como o Jongo, o Batuque de Umbigada ou o Samba é necessário o reconhecimento daqueles cidadãos que estão em seus territórios ensinando e transmitindo o determinado bem cultural.
É importante reconhecê-los sob uma perspectiva sustentável estabelecendo uma relação profissional. Afinal, são eles quem mantêm e preservam o patrimônio. E não é possível o exercício dessa tarefa sem o devido e o justo reconhecimento.
Ao se pensar uma roda de capoeira com apresentação de seus elementos, como o maculelê, a puxada de rede, a dança guerreira e o samba de roda para uma instituição, para um evento ou para a execução de algum projeto específico é bom que se estabeleça com o detentor as responsabilidades e os termos do espetáculo, ou da aula. Para se ter noção, a simples idéia de uma exibição ou de uma oficina de capoeira já demanda uma certa hora de trabalho que envolve planejamento mobilização e organização do grupo ou do coletivo de capoeira.
Campinas
O trabalho com a capoeira é sério e muitos capoeiristas são profissionais com um amplo conhecimento que perpassa diversos tipos de disciplinas. Em Campinas desde a década de 70 capoeiras como Mestres Tarzan, Ju, Godoy (In Memoriam) Maia, Mestre Antônio (In Memoriam) e Wilton seguido por Mestres Mauro Gomes, Geraldo, Salvador e Kito, além de Mestre Irandir (In Memoriam) contribuíram para o desenvolvimento da prática na cidade.
Mestre Formiga na Vila União coordena um trabalho pedagógico relevante. Mestre Claudio, na Vila 31 de março e Mestre Macaco no Jardim Andorinha transmitem a capoeiragem para a comunidade local. Mestre Joguinho ensina capoeira na sede dos moradores do Jardim San Martin. Mestre Cícero há mais de 25 anos mantém um espaço no centro de Campinas onde ensina e preserva a arte da capoeiragem. Ainda no centro, na região do Terminal Central Mestre Topete coordena um trabalho com a capoeira Angola.
Em Barão Geraldo, região universitária da cidade abriga o trabalho de Mestre Ferpa. Muitos outros mestres e professores estão nesse momento difundindo e ensinando a prática e os costumes da capoeira em várias localidades do município e na região.
O poder público através dos diferentes entes possui os mecanismos legais e institucionais de reconhecimento, e valorização do bem. O registro como patrimônio e a formulação de políticas públicas são ferramentas que foram ativadas nas últimas décadas e que ainda, em muitos lugares, se encontram indefinidas por imobilização tanto do poder público quanto do próprio detentor do bem.
Em 2008 a capoeira foi reconhecida como Patrimônio Cultural pelo IPHAN Instituto do Patrimônio Artístico Nacional. O Ofício de Mestres de Capoeira foi inscrito no livro de Registros dos Saberes, e a Roda de Capoeira inscrita no Livro do Registro das Formas de Expressão.
Em 2014 a UNESCO Organização das Nações Unidas para Educação Ciência e Cultura reconheceu a capoeira como Patrimônio da Humanidade. Mesmo diante desses reconhecimentos a ausência de políticas para esse Patrimônio se estende por quase a totalidade do território com raríssimas exceções.
Desde a década de 70 com a expansão de sua prática e de seu ensino ela criou o seu próprio ambiente de prospecção ofertando e respondendo à demanda da sociedade brasileira. As transformações socioeconômicas resultantes do processo de globalização ocorridos nas décadas de 80 e 90 impactou grandemente a expansão da capoeira no exterior. Ela foi fortemente impactada também com o advento da internet, a ponto de consolidar sua internacionalização, de maneira autônoma desbravadora e criativa.
Praticada em mais de 180 países é a principal difusora na língua portuguesa no mundo. A capoeira foi capaz de criar de maneira criativa o seu mercado, mas ainda assim, como em qualquer outra atividade necessita de mecanismos de incentivo, financiamento e fomento. Por isso, entender a capoeira para além de uma roda de exibição é colocar-se solidariamente junto à capoeiragem que preserva e transmite o patrimônio.
Por fim, a Capoeira é uma manifestação cultural genuinamente brasileira, com um repertório bastante elaborado e sofisticado criado a partir do cruzo e do encontro entre corpos tradicionais (re) existentes no colonialismo e que se reinventam permanentemente na colonialidade.
Luciano Medina (Calado)
Capoeira Jornalista & Gestor Cultural