Prosseguir com as crônicas introdutórias à história da capoeira de Campinas, segundo as memórias de um aprendiz é um exercício de reconhecimento permanente, aqueles capoeiras que se mantém nas rodas até os dias de hoje, e aqueles que por alguma razão tomaram outro caminho, dado as oportunidades oferecidas pelas encruzilhas.
Foram muitos os contatos à partir do primeiro batismo de que participei em 1988 como visitante, em companhia do professor Irandir da Academia Arte Brasileira. O batizado era da Academia de Capoeira Beira Mar do Mestre Tarzan, e foi realizado no ginásio do Tênis Clube de Campinas, um dos clubes mais badalados da cidade.
Para um adolescente da periferia, o primeiro contato com um grande evento de capoeira foi um acontecimento inesquecível. Capoeiristas de vários outros lugares, a atmosfera do ambiente e as rodas ganhavam uma outra dimensão, diferente daquelas vivenciadas na academia. Ao mesmo tempo esse primeiro batizado revelou ainda sutilmente uma espécie de mapa social, que me permitiu localizar não só a mim, mas a minha família os meus amigos, o meu bairro, a minha escola e a minha academia de capoeira na geografia da cidade.
O que do alto da minha experiência de 13 anos provocou curiosidades e questionamentos. Na verdade, um choque em que descortinou contradições de uma realidade sociocultural até então invisível ao meu universo. Ainda que o entendimento fosse de um menino vislumbrado com a grandeza de evento, e com um público até então cujo contato inexistia, a realidade se apresentara, e foi a capoeira, aquela manifestação de luta e resistência que me permitiu observar pela primeira vez a concretude de um mapa social.
Aquele evento foi de um aprendizado profundo, e revelou que a escola da metade dos anos 80 com toda a sua estrutura e metodologia pedagógica, não fora capaz de oferecer uma noção concreta de uma sociedade no mínimo diversa, em toda sua dimensão. Foi através da capoeira, os primeiros passos rumo a sociologia nua crua da rua, e do Brasil. E continua sendo assim, a capoeira servindo como a grande escola da vida.
Enfim, foi a partir desse batizado que pude confrontar não só com a realidade da sociedade brasileira, mas com o universo paralelo da capoeiragem, que me possibilitou já naquela época, o privilégio de ver e ouvir grandes mestres.
A lembrança de Mestre Leopoldina adentrando o ginásio com sua roupa malandreada, tipo Zé Pilintra, saudando a todos, abanando seu chapéu branco com sua ginga, e o sorriso de quem já aprendera tudo sobre as contradições daquela realidade, nova para mim, é forte até hoje. A partir dali diversas foram as vezes em que pude encontrar com Mestre Leopoldina. Certa vez no Rio de Janeiro nos deu carona até o alto de Santa Tereza com seu igualmente malandreado Opala.
Mestres Lobão e Pezão de São Jose dos Campos. O famoso Mestre Antônio, Mestres Mauro Gomes da Academia Berimbau, Paranhos da Aruanda, Geraldo Movimento Axé, Pelé Santa Maria. Mestre Milton, irmão de Tarzan, Mestre Wilton do Regatas, Mestre Tedi e Mestre Francis (esses In Memoriam). Girino e Cauê de Jundiaí, e tantos outros que comporiam o repertório de lembranças que até hoje são ativados na memória, razão da relevância que a capoeira exerce sobre a minha vida de aprendiz, de cidadão e de jornalista nos dias atuais.
Para concluir, é necessária uma ativação descritiva importante para a história da Capoeira de Campinas. A academia de Capoeira Coquinho Baiano, idealizado e criada por Mestre Maia e Mestre Godoi (In Memorian) no idos da década de 70. Mas essa parte da introdução, da crônica histórica da capoeiragem de Campinas é compromisso para um outro texto, dada a tradição que essa academia criou em Campinas, na região e no exterior. Uma capoeira autenticamente campineira eu diria.
Luciano Medina é Capoeira Jornalista e Gestor Cultural