Da Fecundidade do pensamento de Mestre Pastinha ou da necessidade de desejar o impossível…
Hoje, 05 de abril de 2022, Vicente Ferreira Pastinha (1889 – 1981), o Mestre Pastinha completa 133 anos de existência entre nós. Embora sua partida do mundo material tenha se dado em 1981,a presença de sua ânima continua a atuar, impulsionando a luta pela valorização dos elementos historicamente negados de nossa cultura. Trocando em miúdos… Nossas Africanidades.
Mestre Pastinha foi um dos mestres de Capoeira que mais lançou mão de todos os recursos possíveis e mesmo os impossíveis, à um homem de sua classe social e origem étnica, numa defesa direta, objetiva das origens africanas da Capoeira, vindo a se tornar um dos maiores representantes da Capoeira Angola.
E como símbolo de nossa imensurável capacidade de mudar, de transformar o mundo a nossa volta, de superar as expectativas, o Mestre provavelmente surpreendeu a si mesmo. Mostrou na pratica como a dedicação, a luta, a vida de cada um de nós é tão importante e fundamental para a permanência de uma prática cultural, uma filosofia, um modo de viver.
Tive a oportunidade de ouvir de Mestre João Pequeno, Mestre Boca Rica, Mestre Fernando de Saubara, relatos semelhantes em que estes enquanto rapazes que treinavam com Mestre Pastinha, às vezes olhavam para o Mestre que vivia dizendo que um dia a Capoeira estaria nas Universidades, no Cinema, na Literatura, na TV, no Teatro… Que ela ganharia o mundo…
De seus conselhos para que reduzissem suas horas de trabalho para se dedicar mais à Capoeira, pois ela lhes daria uma condição melhor no futuro. Que eles viveriam dela, que viveriam de sua arte.
Pensavam eles: “o Mestre está ficando doido…A policia correndo atras da gente na rua e ele acreditando nisso?!”.
Mas era isso mesmo, Mestre Pastinha sonhou com o impossível, desejou o impensável para a maioria das pessoas de sua época.
Mestre Pastinha teve a capacidade de sonhar, de desejar o impossível para si e os seus, de ir além das possibilidades colocadas pela realidade de seu tempo. Ele transcendeu o veio das impossibilidades e junto a seus alunos construiu um modelo de organização, preservação e difusão da Capoeira mãe, a Capoeira Angola. Num tempo onde ela ainda era tratada como um crime, ele alçou a bandeira da dignidade da Capoeira, de seu valor humanitário como ambiente fecundo, de profunda riqueza cultural e poder de transformação e valorização da vida.
Mestre Pastinha nos ensinou que o estudante de Capoeira é antes de tudo um pensador, uma pensadora e refletir acerca de seu legado é fundamental para que possamos continuar a transformar a realidade em que vivemos ainda cheia de preconceitos e barreiras a serem superadas.
Na atualidade e mesmo no passado, alguns teóricos e mestres de Capoeira tem disseminado afirmações e levantado até pesquisas e debates tentando desqualificar as contribuições e mesmo a veracidade da condição de Mestre de Capoeira de Vicente Ferreira Pastinha, algo que o Mestre enfrentou até em seus últimos anos aqui na terra. Mas, como diz a sabedoria ancestral:
“Não se joga pedra em arvore que não dá fruto”.
E como diria o próprio:
“IÊ! Maior é Deus!
IÊ! Maior é Deus pequeno sou eu…
O que eu tenho foi Deus que me deu,
O que eu tenho foi Deus que me deu.
Na roda de Capoeira…
Haha…
Grande e pequeno sou eu,
camará!!!”*
Léo Lopes é Contramestre, integrante da Escola de Capoeira Angola Resistência de Campinas e Hortolândia