Pernadas contra a discriminação. Juca Capoeira, Zé Mundão e Baianinho. A história da Capoeira de Campinas

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(…) a maioria da população negra oriunda das fazendas foram praticamente despejadas pelas ruas da cidade, monitoradas e classificadas como mendigos e vagabundos por meio de plaquinhas de identificação. Essa prática de controle exercida pela força pública contou em grande medida com o apoio da igreja católica, relata Maciel (1985).
De acordo com registros da época, os argumentos que serviam de base para a ação violenta da força pública não parecem diferir das que se observa atualmente. A proibição de reunião de negros a partir de determinado horário era notadamente uma transgressão à norma, e tal atitude autorizaria o uso indevido e ou devido da força. O relato abaixo descreve um acontecido em 1917 no antigo distrito de Cosmópolis.

“Não sabem que é proibido se reunirem aí a esta hora? Perguntou o soldado Rufino e um grupo de homens negros e pardos que, por volta das 10 horas da noite do dia 23
de outubro, bebiam, comiam e conversavam no botequim de Francisco Elias. Segundo as testemunhas, não houve tempo para diálogos. Ato contínuo à repressão policial, os 11 homens presentes, todos operários da Usina Esther, se levantaram armados de cacetes e avançaram sobre Rufino e o Soldado Porfírio, que o acompanhava. A altercação resultou na morte de Rufino, e em graves ferimentos infligidos em Porfírio”

Os réus assumiram que foram motivados pela humilhação das autoridades públicas, principalmente do subdelegado Basilio, executor inflexível da postura municipal que
obrigava a todos os negros se recolherem em suas casas após as nove horas da noite. A pena para quem perambulava pelas ruas ou lugares públicos, sem prévia
autorização, era a prisão sumária. Da sua parte, o subdelegado se justificou pelo intento de eliminar brigas e desordens provocadas durante jogos clandestinos, rodas
de samba e de capoeira. A discriminação permeava o cotidiano da cidade e a revolta dos acusados contra a autoridade se tornou explicita, no ataque premeditado aos
encarregados do cumprimento da lei (Abrahão, 2018, p.54,55).

Esse cenário descreve a realidade a que negros libertos viviam após a abolição da
escravidão. Muito antes da assinatura da Lei Áurea, a efervescência e a mobilização de negros despertavam curiosidade, preconceitos e repressão. A capoeiragem era uma prática constante tanto de brincadeira para aliviar a dureza do ócio e do preconceito, como para defender-se dos arroubos autoritários da força pública, já característica daquela época. Personagens como Juca Capoeira, Zé Mundão e Baianinho tiveram seus nomes registrados na delegacia de polícia de Campinas como valentões e capoeiras perigosos à ordem pública, Cunha (2011). “Os crimes registrados nesses períodos referiam-se à discriminação racial. Os acusados eram motivados por vingança contra as humilhações e agressões sofridas por feitores capatazes e autoridades policiais a mando de senhorios” (Abrahão 2018, p.54).

NETO, Luciano Medina. A Capoeira como expressão do batuque na cidade de Campinas sob a perspectiva decolonial. 2024 [s.n] Dissertação Dissertação Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo 2024

 

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