A capoeira do pensamento

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Em fevereiro de 2021 ocorreu o 1º Festival Cajubi, que reuniu intelectuais como Ailton Krenak, Elisa Lucinda, Luiz Antonio Simas e Tom Zé e discutiu ideias de ruptura com um mundo opressivo e segregador e reencanto pelos nossos mundos perdidos e apagados ao longo da história.
Um dos resultados do evento é a edição do livro Cajubi: Ruptura e Reencanto, publicado pela editora Incompleta, com lançamento previsto para o dia 15 de março. O ensaio a seguir, inédito até então e a que o leitor da Lavoura tem acesso em primeira-mão, foi escrito por Tiganá Santana especialmente para o livro, na trilha de sua participação no evento

A capoeira do pensamento¹

POR TIGANÁ SANTANA

O gorjeio do curió, ao tempo em que me remete ao que reincide, remete-me à inauguração da areia com pegadas novas. Fica-se entre o que se dá e o que não se dá. Há um mestre de capoeira na minha cidade nativa, Salvador (capital da Bahia), que, por herança do avô capoeirista e por iniciação no seu próprio capoeirar, traz o nome desse pássaro. Na capoeira, recebe-se um nome a designar um certo modo de se colocar no mundo e ante a verticalidade de si (telama lwibanganga – na língua bantu-africana kikongo). Por outro lado, na “capoeira do pensamento” (expressão que retomo a partir de uma tradução de Emmanuel Carneiro Leão da obra Introdução à Metafísica, de Martin Heidegger), nomeia-se, isto é, inaugura-se um mundo com orientação própria, de ar já existente, num jogo imprescindível para a vitalidade, a conjuntar, incontornavelmente, o já chegado e a partida para outridades traduzidas na variedade de lugares-tempo por se fazer. A invenção de Bimba – figura alocada entre as aberturas atlânticas e o duro trabalho da estiva, unindo a um fragmento angolano o ethos (no sentido grego de morada) para onde se deslocaram os seus antepassados, como também marcialidades asiáticas – é a invenção singular da pessoa negra em coletivo; é a assunção de que a experiência da vitalidade-morte faz-se, de maneira negra, tendo o inacabamento, a fenda, o fluxo como base, sobre cujos pendores versou, instigantemente, Paul Gilroy no seu O atlântico negro (com tradução para o português brasileiro de Cid Knipel Moreira). Esse atlântico-linguagem das correntes cruzadas inventa outras correntes e destinações, ou, ao menos, tem podido adir camadas outras a certas tendências históricas. Inventaram-se candomblés, palos, chulas, candombes, ferramentas, agriculturas, edificações, rosários, moçambiques, cânticos de trabalho, pontos riscados, imagens, enunciações, performances e inteligências.

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